[ABC do Anarquismo - Alexander Berkman] II. O Sistema salarial #MDAAB-02

Você já se perguntou alguma vez por que nasceu de seus pais e não de outros? Compreenda, é claro, aonde quero chegar. Quero indicar que você não foi consultado. Simplesmente nasceu, não teve a possibilidade de escolher o local de seu nascimento ou escolher seus pais. Foi pura casualidade.

Dessa forma, você não nasceu rico. Talvez sua família seja da classe média; mais provavelmente, no entanto, pertence à classe trabalhadora e, portanto, você é um daqueles milhões, as massas, que precisam trabalhar para viver.

O homem que tem dinheiro pode investi-lo em algum negócio ou indústria. Ele investe e vive dos lucros. Mas você não tem dinheiro. Você tem apenas sua habilidade para trabalhar, sua força de trabalho.

Houve uma época em que cada trabalhador trabalhava por si mesmo. Naquela época, não havia fábricas ou grandes indústrias. O trabalhador tinha suas próprias ferramentas e seu próprio pequeno ateliê, e até mesmo comprava as matérias-primas de que precisava. Ele trabalhava por si mesmo e era chamado de artesão ou operário.

Então, surgiram fábricas e grandes oficinas. Aos poucos, excluíram o trabalhador independente, o artesão, porque ele não conseguia produzir as coisas tão baratas quanto a fábrica, não conseguia competir com o grande industrial. Assim, o artesão teve que abandonar seu pequeno ateliê e trabalhar nas fábricas.

Nas fábricas e grandes plantas, as coisas são produzidas em grande escala. Essa produção em larga escala é chamada de industrialismo. Fez os empresários e industriais ficarem muito ricos, de modo que os senhores da indústria e do comércio acumularam muito dinheiro, muito capital. É por isso que esse sistema é chamado de capitalismo. Todos nós atualmente vivemos no sistema capitalista.

No sistema capitalista, o trabalhador não pode trabalhar por si mesmo, como nos tempos antigos. Ele não pode competir com os grandes industriais. Portanto, se você é um trabalhador, precisa encontrar um empresário. Você trabalha para ele; ou seja, você dá a ele seu trabalho por tantas horas por dia ou por semana, e ele paga por isso. Você vende sua força de trabalho a ele e ele paga os salários.

No sistema capitalista, a classe trabalhadora como um todo vende sua força de trabalho à classe empresarial. Os trabalhadores constroem fábricas, fazem máquinas e ferramentas e produzem mercadorias. Os empresários guardam as fábricas, as máquinas, as ferramentas e as mercadorias para si como seus lucros. Os trabalhadores apenas recebem salários.

Essa disposição é chamada de sistema salarial.

Homens de ciência calcularam que o trabalhador recebe como salário apenas cerca de um décimo do que ele produz. As outras nove décimas partes são divididas entre o proprietário da terra, o industrial, a companhia ferroviária, o atacadista, o agiota e outros intermediários.

Isso significa que, embora os trabalhadores, como classe, tenham construído as fábricas, um pedaço de seu trabalho diário lhes é tirado pelo privilégio de usar essas fábricas. Isso é o lucro do proprietário da terra.

Embora os trabalhadores tenham feito as ferramentas e as máquinas, outro pedaço de seu trabalho diário é retirado deles pelo privilégio de usar essas ferramentas e máquinas. Isso é o lucro do industrial.

Embora os trabalhadores construam ferrovias e as coloquem em funcionamento, outra parte de seu trabalho diário é retirada deles pelo transporte das mercadorias que eles produzem. Este é o lucro das ferrovias.

E assim por diante, incluindo o banqueiro que empresta ao industrial o dinheiro de outras pessoas, o atacadista, o agiota e outros intermediários, todos os quais obtêm sua parte do trabalho do trabalhador.

O que resta, uma décima parte do valor real do trabalho do produtor, é sua parte, seu salário.

Agora você pode entender por que o filósofo Proudhon disse que as posses dos ricos são propriedade roubada? Roubadas do produtor, do trabalhador.

Não parece estranho que algo assim seja permitido?

Sim, certamente, é muito estranho; e o mais estranho de tudo é que todos veem isso e não fazem nada a respeito. Além disso, a maioria acha que está tudo em ordem e que o sistema capitalista é bom.

Isso acontece porque os trabalhadores não veem o que está acontecendo com eles. Eles não entendem que estão sendo roubados. O resto do mundo também entende muito pouco sobre isso, e quando algum homem honesto tenta contar a verdade sobre o assunto, eles o chamam de “anarquista”, o silenciam ou o jogam na prisão.

Claro, os capitalistas estão muito satisfeitos com o sistema capitalista. Por que eles não estariam? Eles enriquecem com isso. Não se pode esperar que eles digam que não é bom.

As classes médias são ajudantes dos capitalistas e também vivem do trabalho da classe trabalhadora; então, por que elas iriam reclamar? Claro, aqui e ali você encontrará um homem ou mulher da classe média que se levanta e fala a verdade sobre todo o assunto. Mas essas pessoas são rapidamente silenciadas e desacreditadas como “inimigos do povo”, como agitadores loucos e anarquistas.

Mas você pode pensar que os trabalhadores seriam os primeiros a se opor ao sistema capitalista, pois são eles que estão sendo roubados e que mais sofrem por causa dele.

Sim, deveria ser assim. Mas não é assim, o que é muito triste.

Os trabalhadores sabem que algo não está certo em algum lugar. Eles sabem que trabalham duro a vida toda e recebem exatamente o necessário para viver, e às vezes nem isso. Eles veem que seus empresários podem andar em carros luxuosos e viver no maior conforto, com suas esposas vestidas com roupas caras e diamantes, enquanto a esposa do trabalhador mal pode se dar ao luxo de comprar um vestido novo de chita. Portanto, os trabalhadores tentam melhorar sua condição buscando melhores salários. É como se eu acordasse à noite em minha casa e encontrasse um ladrão reunindo todas as minhas coisas e prestes a fugir com elas. Suponha que, em vez de detê-lo, eu dissesse: “Por favor, senhor ladrão, deixe-me pelo menos um vestido, para que eu possa ter algo para vestir”, e então lhe agradecesse por me devolver uma décima parte das coisas que ele roubou de mim.

Mas estou me adiantando em minha explanação. Voltaremos ao trabalhador e veremos como ele tenta melhorar sua condição e quão pouco ele consegue. Por enquanto, quero dizer por que o trabalhador não pega o ladrão pelo colarinho e o expulsa de uma vez. Porque ao trabalhador, assim como ao resto do mundo, foi ensinado que tudo está em ordem e deve permanecer como está, e que, se algumas coisas não são exatamente como deveriam ser, é porque “as pessoas são más” e tudo se ajeitará por si só no final, de alguma forma.

Considere se isso não é verdade em seu caso. Em casa, quando você era criança e fazia tantas perguntas, diziam a você que “deve ser assim”, que “deve ser desse jeito”, que “Deus fez assim” e que tudo estava em ordem.

E você acreditava em seus pais, assim como eles acreditavam em seus pais, e é por isso que agora você pensa exatamente como seus avós pensavam.

Depois, na escola, disseram-lhe as mesmas coisas. Ensinaram que Deus criou o mundo e que tudo está bem, que deve haver ricos e pobres, e que você deve respeitar o rico e estar contente com sua sorte. Disseram-lhe que seu país defendia a justiça e que você deve obedecer à lei. O professor, o padre e o pregador, todos lhe ensinaram que sua vida era ordenada por Deus e que “sua vontade será feita”. E quando você viu que arrastaram um homem pobre para a prisão, disseram-lhe que ele era mau porque havia roubado algo, e que isso era um grande crime.

Mas em casa, na escola ou em qualquer lugar, ninguém lhe disse que é um crime que o rico roube o produto do trabalho do pobre, ou que os capitalistas são ricos porque se apropriaram da riqueza que o trabalho criou.

Não, nunca lhe disseram isso, nem qualquer outra pessoa na escola ou na igreja. Como você pode esperar, então, que os trabalhadores saibam disso?

Pelo contrário, sua mente — quando criança e também depois — foi tão cheia de ideias falsas que, quando ouve a simples verdade, fica admirada por ser realmente possível.

Talvez você possa ver agora porque os trabalhadores não entendem que a riqueza que eles criaram foi roubada e continua sendo roubada todos os dias.

“Mas a lei”, você pergunta, “o governo, eles permitem um roubo assim? O roubo não é proibido por lei?”

← I. O que você pede à vida? | III. Lei e Governo →